Poesia espírita
Poesia Espírita
UM FENÔMENO

Fábula

Por uma noite assim dessas primaveris,
Em que brilham nos céus as estrelas gentis,
E que bons burgueses da cidade
Falavam, caminhando e com tranqüilidade,
Por espaçosas avenidas.
Cada qual a seu turno as vistas estendidas
Do solo aos campos celestiais,
Sem dúvida pensais
Que os assuntos de seus discursos
Eram sobre o poder eternal, sem magia,
E que os corpos submetem às leis sãs harmonia?
Não: eles davam outros cursos
Aos pensamentos seus; da bolsa à cotação,
Das colheitas ao preço, eram toda a atenção
Em que se nutria sua alma,
Quando um deles disse, sem calma,
Qual sob ação de súbito estupor:
“Que vejo? Pode ser? uma estrela em fulgor?
Ora se eleva... ora descendo!”
E esfregando os olhos: “Que digo,
Uma estrela... Pois creio, em minha fé, comigo,
Salvo que seja um sonho e nele esteja crendo;
Uma, duas ou três, quatro estrelas nos céus
Movem-se e dançam em silêncio;
Mistério estranho, a noite vence-o
Com prazer ocultando-o nos seus véus!”
E dos burgueses a alma atônita acompanha
Suas fases fenomenais,
Que em vão, para o explicar, se afadiga demais;
Aí só do acaso a artimanha.
Marcham, e entre os cordéis que lhes tocam na fronte

A sustentar pelo ar a cada papagaio
Quando de uma luz de ensaio
Ao sopro de uma brisa insonte;
E da criançada, autora enfim desse esplendor,
Perto dela riam com amor.

Que disseram depois dessa dupla surpresa,
Logo após seus desencantos?
Que pelos céus tais fogos tantos
Mero artifício são, obra se singeleza,
Para tolos levar a tão grandes espantos.
O horizonte também em púrpura se inflama,
E envolve a noite então de luz misteriosa;
Qual se de um meteoro a chama
Na escuridão dos céus resplandece radiosa;
Que uma estrela cadente em seus vivos anéis
Queira os campos do éter rasgar,
Estes burgueses bons, de olhos e braços no ar,
Vão tentar achar seus cordéis.

Se a verdade tem sempre alguma imitação,
Cabe-nos distinguir, e por comparação,
Toda a verdade da intrujice.
O ceticismo vão leva à charlatanice
Ante fatos que são da lei eterna até.
E para julgar bem qualquer causa ou efeito
Possa um cético ser aceito:
Se com modéstia, – e boa-fé.

C. Dombre, de Marmande
R.E. , novembro de 1865, p. 441